Por: Prof. Thiago André
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William James era um psicólogo e filósofo formado em Medicina. A Psicologia foi fundada apenas em 1979, por Wilhelm Wundt, de modo que, à época de sua formação, ainda não existia formação em Psicologia. Segundo Herrmann Ebbinghaus "A psicologia possui um longo passado, mas uma história curta". A frase foi dita em 1908, mas até hoje é válida.
William James também é um dos pensadores recentes mais influentes da atualidade, sobretudo do modelo estadunidense de pensar e agir. O conteúdo desta influência se encontra principalmente no livro sobre o pragmatismo, que iremos debater agora.
William James faz alusão a alguns princípios filosóficos de modo a situar melhor o pensamento pragmático. Na primeira conferência ele afirma que a definição pessoal em determinadas linhas filosóficas é uma questão de temperamento. Com isso, define 2 temperamentos básicos: do espírito duro e do espírito tenro.
Segundo James (2006, p. 26) o indivíduo com temperamento de espírito tenro tende a ser racionalista (que segue "princípios"), intelectualista, idealista, otimista, religioso, livre arbitrista, monista e dogmático. Podemos acrescentar que também tende a ser mateologista, teísta e absolutista.
À mesma página, o autor define o indivíduo com temperamento de espírito duro com tendência a ser empírico (que segue "fatos", sensacionalista, materialista, pessimista, irreligioso, fatalista, pluralista e cético. Podemos acrescentar que também tende a ser antimateologista, panteísta e finitivo.
Duas passagens de texto clarificam bem esses temperamentos. Um de Leibnitz, considerado espírito tenro, defendendo que tudo que ocorre faz parte da estrutura divina e corrobora para o bem. Outro de Morrison I. Swift, considerado de espírito duro, criticando a visão puramente racionalista de Leibnitz (JAMES, 2006, p. 35 a 38). Eis a passagem que cita o pensamento de Swift.
"Após caminhar com muito custo através da neve, de uma ponta a outra da cidade, na vã esperança de arranjar emprego, e com sua esposa e seis filhos sem alimentação e com ordens de abandonar sua casa em uma cabeça-de-porco da zona mais miserável da cidade, por causa de atraso no pagamento de aluguel, John Corcoran, funcionário, acabou hoje com a vida bebendo ácido carbólico. Corcoran perdera sua posição três semanas antes por motivos de doença, e durante o período de disponibilidade, suas magras economias desapareceram. Ontem obtivera trabalho com uma turma de limpadores de neve da cidade, mas estava muito fraco em virtude da doença, e foi forçado a largar o trabalho após o esforço de uma hora com a pá. Com o que recomeçou de novo a fatigante tarefa de procurar emprego. Completamente desencorajado, Corcoran retornou ao lar a noite passada para encontrar esposa e filhos sem alimentos e o alvará de despejo pregado à porta. Na manhã seguinte, bebeu o veneno".
"Os registros de muitos mais casos encontram-se diante de mim (prossegue Swift); uma enciclopédia poderia facilmente ser preenchida com casos dessa espécie. Esses poucos eu cito como uma interpretação do universo. 'Estamos certos da presença de Deus nesse mundo', diz um escritor em uma revista inglesa recente. 'A presença mesmo do mal na ordem temporal é a condição da perfeição da ordem eterna', escreve o professor Royce (The World an te Individual, II, 385). 'O absoluto é mais rico para cada discórdia e para toda a diversidade que abarca', diz F. H. Bradley (Appearance and Reality, 204). Quer dizer que esses homens assassinados tornam o universo mais rico, e que isso é filosofia. (...)"
(JAMES, 2006, p. 37).
Aqui fica clara a posição que, por um lado, pode ser considerada pessimista e, por outro, dura. O que Swift defende é que não é possível que o mal da humanidade, hoje, seja parte de um plano divino de bem. Critica que dizer isso é considerar o mal como uma riqueza filosófica.
"O método pragmático nesses casos é tentar interpretar cada noção traçando as suas consequência práticas respectivas. Que diferença praticamente haveria para alguém se essa noção, de preferência àquela outra, fosse verdadeira?" (JAMES, 2006, p. 44). William James, certa fez, lançou o seguinte trocadilho: "What is mind? No matter. What is matter? Never mind". Ou seja: só importa o que realmente é importante (JAMES, 2006, p. 163).
"As teorias, assim, tornam-se instrumentos, e não respostas aos enigmas, sobre as quais podemos descansar. (...) O pragmatismo (...) põe-nos a trabalhar. Não sendo nada essencialmente novo, se harmoniza com muitas tendências filosóficas antigas" (JAMES, 2006, p. 48).
Conceitos relacionados e consequentes:
- Verdade Instrumental A verdade é aquilo que tem utilidade prática para nós, dentro de certos limites lógicos, por exemplo, segundo a realidade da formação de nossos conjuntos da verdade (JAMES, 2006, p. 50).
- Teoria da verdade Uma nova verdade deve estar de acordo com as verdades que já temos interiorizadas em nossa mente, se não, não será aceita. Após conflito com as verdades antigas, a nova verdade será aceita com o mínimo de prejuízo possível para aquelas. Quanto mais antiga a verdade que temos interiorizada, mais difícil é mudá-la (JAMES, 2006, p. 50 a 52).
- Doutrina do alívio São as verdades que ainda podem nos causar consolo, a exemplo das idéias religiosas para o cientista (JAMES, 2006, p. 78).
- Férias morais É o processo de, por exemplo, tomar férias da resolução de algum mal no âmbito do finito, em nossa existência humana, e "deixar que o mundo vá à sua própria sorte, na certeza de que seus problemas acham-se em melhores mãos do que em nossas, e que não constituem assunto de nossa alçada" (JAMES, 2006, p. 57).
A base para a concepção de William James para o senso comum se fundamenta na teoria da verdade, no caso, aplicado ao conhecimento não de uma pessoa apenas, mas ao conhecimento da sociedade como um todo.
"O próprio fato de debatermos essa questão mostra que nosso conhecimento é incompleto presentemente e sujeito a acréscimos" (JAMES, 2006, p. 98).
"Segue-se que modos de pensar muito antigos podem ter sobrevivido através de todas as ulteriores mudanças nas opiniões dos homens" (JAMES, 2006, p. 99). E esse conhecimento sobrevivente é, para William James, o senso comum.
A noção histórica de senso comum também é visível no seguinte trecho: "Minha tese agora é essa, que as nossas maneiras fundamentais de pensar a respeito das coisas são descobertas de ancestrais incrivelmente remotos, que foram capazes de preservar-se ao longo da experiência dos tempos subsequentes. Formam um grande estádio de equilíbrio no desenvolvimento do espírito humano, a fase do senso comum" (JAMES, 2006, p. 99 e 100).
São três os tipos do pensamento humano, para William James (p. 108): o Senso comum (sendo a escolástica sua irmã caçula), a crítica filosófica e a ciência. "... mas se qualquer deles é absolutamente mais verdadeiro, só Deus sabe" (p. 109).
Além do conceito de verdade instrumental, William James diz que "as idéias verdadeiras são aquelas que podemos assimilar, validar, corroborar e verificar. As idéias falsas são aquelas com as quais não podemos agir assim" (JAMES, 2006, p. 113).
A verdade é verificada e validade, para ele, quando "... nos levam (...) através dos atos e outras idéias que instigam, em direção a outras partes da experiência que as idéias originais permanecem em acordo" (JAMES, 2006, p. 113).
Também critica a visão intelectualista da verdade: "A grande suposição dos intelectualistas, entretanto, é que a verdade significa essencialmente uma relação estática inerte. Quando se chega à idéia verdadeira de alguma coisa, chega-se ao fim da questão" (JAMES, 2006, p. 112).
A solução pragmática para resolver a questão deve ser: "O 'absolutamente' verdadeiro, significando o que nenhuma experiência posterior jamais alterará, é aquele ponto difuso ideal para o qual imaginamos que todas as nossas verdades temporárias algum dia convergirão. (...) Nesse meio tempo, temos de viver hoje com a verdade que podemos ter hoje, e estarmos prontos amanhã para tachá-la de falsidade" (JAMES, 2006, p. 123).
O Humanismo de William James é uma doutrina filosófica resumida em: "o mundo (...) é o que fazemos dele" (JAMES, 2006, p. 132), ou seja, a realidade é uma função do que interpretamos dela. Junto com o pensamento de Epicteto (o que perturbam os homens não são as coisas, mas sim a opinião que delas têm) e Sartre (não importa o que fazem com a gente, mas sim o que fazemos com o que fazem com a gente), caracterizam o pensamento da psicoterapia cognitiva.
Esse Humanismo abre precedentes para que os pragmatistas compreendam sua posição integrativa, utilizando-se de diversos modos de pensar, desde que úteis: "O pragmatista é a última pessoa a negar a realidade dessas abstrações. (...) Tomar, porém, a edição absoluta do mundo concretamente significa uma hipótese diferente" (JAMES, 2006, p. 142).
O que significa em sua vida o pragmatismo? Afinal de contas, que resultado prático há para você nessa noção, de preferência a outras? "Se não pode ser traçada nenhuma diferença prática qualquer, então as alternativas significam praticamente a mesma coisa, e toda a disputa é vã" (JAMES, 2006, p. 44).
- James, William. Pragmatismo. São Paulo: Martin Claret, 2007.